terça-feira, 18 de outubro de 2016

O que vale mais, dinheiro ou memórias? Crítica de Aquarius

Novo filme de Kleber Mendonça Filho, do também incrível o Som ao Redor, Aquarius é a história da luta do antigo contra o novo, quase sempre vencida pelo novo. 
No meio desta luta temos Clara (Sonia Braga) que luta continuamente para preservar seu lar em um tradicional, mas já antiquado edifício em sua cidade. Mas vamos por partes.


A película inicia em um flashback com uma tomada aérea de uma praia. Ao longe vemos um carro correndo pela areia e fazendo manobras. Dentro desse carro temos jovens adultos se divertindo e rindo como jovens adultos costumam fazer. O carro para e uma das jovens decide mostrar uma música que seria a sua aposta para o hit do ano. Todos param pra ouvir Another One Bites the Dust da banda Queen. Enquanto todos curtem a música a câmera passeia por dentro e fora do veículo. Em determinado momento nos é mostrada um close da placa do carro onde se lê Recife tremendo. Com essa pequena passagem o diretor destaca tanto a cidade onde a trama se passa quanto o grave dançante da canção tocada. A música é extremamente importante pra esse filme




Os jovens voltam pra casa e adentram uma festa. Descobrimos que a jovem conhecedora de música é Clara, jornalista musical, esposa, mãe, sobrevivente de um câncer e dona do apartamento em que está ocorrendo a comemoração. Depois dessa que é uma das cenas mais interessantes do filme (não podemos falar muito porque perde um pouco da graça) o filme volta para os dias atuais e a história desenrola.

Clara ainda é dona do mesmo apartamento, mas hoje ele é cobiçado por uma imobiliária, que já adquiriu todos os demais imóveis do prédio. O objetvo da imobiliária é derrubar o prédio e construir um novo mais moderno. A recusa de Clara é o que representa a luta entre a nostalgia do lar onde seus filhos foram criados e viveu por décadas contra a ambição da especulação imobiliária que deseja o dinheiro que o novo empreendimento dará. É uma metáfora pela preservação da memória de nosso país. Até mesmo a escolha da protagonista representa isso. Sônia Braga, símbolo dos anos 80, mostrando que não é ultrapassada dando uma atuação invejável para qualquer atriz.
Importante ressaltar que essa luta pela preservação não é uma ode ao ódio pelo novo. 

Clara ouve músicas em seus LPs, mas como diz no filme, também escuta um mp3. Tudo tem seu momento.


Mas Aquarius não se limita a mostrar ao talento de Sonia e à valorização da nostalgia. Comentários sociais sobre a ganância, a hipocrisia, a luta de classes e a sexualidade em diversos momentos da vida, mesmo na velhice, são ácidos, pontuais, mas sem forçar a barra. Não são exagerados e nem parecem que foram inseridos apenas pelo politicamente correto.



A trilha sonora é incrível e faz ligação com a prórpia protagonista. Como jornalista musical, o conhecimento de Clara brilha enquanto ela nos mostra, com muito afeto, belas canções no decorrer do longa. O filme também é  cheio de closes e enquadramentos que impressionam seja pelo modo de detalhar algo, seja pela maneira de surpreender uma expectativa, referenciando o modo de se filmar de diretores mais antigos mas ao mesmo tempo com uma criatividade e leveza que são um ponto positivíssimo de Kleber Mendonça Filho


Em mãos menos competentes seria uma história comum. Sem grandes momentos de clímax ou coisas do tipo. Mas a junção do olhar detalhista do diretor e da atuação MAGISTRAL de Sônia Braga faz com que a história transcenda do comum para o extraordinário. Extremamente recomendado.

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