quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Como eu entrei na matrix...

Acredito que todos que gostam de cinema têm um filme divisor de águas em suas vidas. Nossa cabeça vai para o teto e ficamos obcecados por todos os aspectos da película. A narrativa é genial, os atores são todos dignos de Oscar, a fotografia é excelente... Nada no filme é ruim.
Foi isso que aconteceu comigo quando conheci The Matrix...

Assisti o filme bem depois do lançamento, já que infelizmente minha família não tinha o hábito de ir ao cinema com frequência e alugar um filme era coisa de 1 vez por mês. Já tinha noção de que a estória do escolhido tinha sido um puta sucesso e que os efeitos especiais eram magníficos e tudessas coisas que escutei naquela famosa divulgação boca-a-boca, mas nenhum elogio ou hype que botavam na época me prepararam para a experiência que eu tive com a obra-prima dos irmãos Wachowski.
Enfim.

O protagonista do filme é Thomas Anderson (Keanu Reeves), programador  de dia, mas à noite é conhecido com Neo, um dos principais hacker dos EUA. Thomas sofre com pesadelos na maioria das noites, além de sentir que existe algo de estranho no mundo ao seu redor. Esse sentimento de deslocamento, algo que muita gente sente, é o que leva Neo a buscar por Morpheus (Laurence Fishburn). Morpheus era tido como um terrorista procurado, mas Neo acreditava que ele pudesse resolver esse deslocamento que sentia e por intermédio de Trinity (Carrie-Anne Moss) Thomas consegue se encontrar com o homem que viria a ser o seu mentor.

É neste momento que acontece a famosa cena das duas pílulas. O escolhido tem que escolher entre a pílula azul e se conformar com a mentira fácil e confortável que é sua vida, ou a pílula vermelha que simbolizava que ele queria saber a verdade nua, crua e cruel.


Não vou me alongar mais na estória do filme, pois, ou você já assistiu o filme ou você nem deveria estar lendo isso aqui. Vá assistir o filme, goste dele e depois volte aqui para que eu possa dividir minha interweb com você.
Imagine como um pequeno nerd em formação se sentiu com aquele mundo novo que lhe era apresentado. Fiquei maluco com todas as referências à ficção científica, a religiosidade presente no mito messiânico criado ao redor de um cara que a pouco tempo era um hackerzinho trancado em seu quarto. Cara, quando eu descobri que Morpheus era uma referência às avessas ao deus grego do sono... e que ao invés de levar Neo para este mundo, Morpheus o traz de volta à um mundo destruído, cínico e sem esperança.

Por causa desta filme que eu realmente comecei a me interessar por cinema e um pouquinho de filosofia. Talvez, senão fosse por Matrix, eu nunca chegasse a conhecer coisas como "O Mito da Caverna" de Platão, ou mais provavelmente eu conheceria da maneira boçal que ensinam filosofia na maioria das escolas públicas desse nosso Brasil e apenas decoraria os aspectos mais importantes para vomitar na prova em que eu tiraria dez, mas não teria aprendido nada.

Hoje, depois de ver mais outros trocentos filmes clássicos e importantes para a industria do cinema, eu vejo que Matrix não é tão à frente do seu tempo como eu pensei. Ele não é nem de longe tão importante para a sétima arte quanto decretei naquela época menos versada na cinematografia da minha vida, mas, pra mim, é o filme  mais importante. É o filme que me inspirou o amor ao cinema.

Enfim, esse texto já está enorme então vou termina-lo apenas agradecendo aos irmãos Wachowski por terem realizado aquele projeto cheio de referências estranhas e roupas de couro. Esse filme é o filme da minha vida.

Black Mirror, escolhas e estudo de público.

Black Mirror voltou ao debate popular recentemente com o lançamento de um episódio interativo intitulado Bandersnatch. O termo não tem uma tradução literal, mas muito provavelmente vem de um texto antigo de Lewis Carrol em que o autor pede cuidado com o monstro fictício homônimo.

O espectador é apresentado à proposta de escolher já na primeira cena, quando decide entre qual dos cereais será o café da manhã de Stefan, seu "avatar" na trama. A escolha não tem repercussão na história, mas apresenta o mecanismo que o episódio usa para definir qual storyline será usada. Stefan está se preparando para uma entrevista de emprego em uma empresa de games para poder dar vida ao seu projeto: um jogo de computador em que o jogador  deve escolher qual a ação do personagem em momentos chave da história. Metalinguagemzinha da nossa Netflix.

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No decorrer da história acompanhamos Stefan ter maior ou menor sucesso no lançamento de seu game, de acordo com as escolhas que fazemos, enquanto também assistimos a saúde mental do garoto degringolar cada vez mais. Podemos chegar a resultados assustadores em alguns dos possíveis finais. Infelizmente, ficar emperrado em alguns "loops" se fizermos a escolha errada é comum, obrigando-nos a assistir tudo de novo para poder avançar na história. Ponto bastante negativo.

No geral, podemos dizer que a(s) narrativa(s) do filme interativo em si são uma diversão que se pinta de cabeçuda sem necessariamente ser. Não tem a profundidade necessária pra isso. A maior parte da trama gira em torno daquela filosofia barata e teoria da conspiração que adoramos na nossa fase mais "radical" da adolescência, mas que perde o sentido depois que chegamos a idade adulta. Cenas de ação sem muito sentido como na luta contra a psicóloga, são aquele tipo de coisa "massavéi" que sabemos que é ruim, apesar de gostarmos escondido. É bom, mas fica aquele gosto de que poderia ter sido TÃO MELHOR.

A novidade de verdade aqui não está em ser uma obra com vários finais possíveis de acordo com suas ações. Os videogames já fazem isso (e melhor) há tempos. No mesmo modelo de "escolha o que seu personagem faz nessa situação" games como os Walking Dead da produtora TellTale ou Heavy Rain da Quantic Dream já existem. Até mesmo os livros aventura, como mostrados no próprio episódio, já existem há anos. A novidade mesmo está em trazer isso para o grande público, pro mainstream.
Mostrar pro público geral uma nova forma de entretenimento fora do padrão.

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Há de se considerar também o big data que a empresa ganhou com essa brincadeira.  Enquanto eu e você escolhemos como Stefan vai reagir às situações de sua vida, a empresa entende ainda melhor o que seu público espera de um produto de entretenimento. Esses dados são usados para criar novos produtos que se adequem aos resultados adquiridos com a pesquisa em forma de filme interativo. Isso é óbvio, mas ao mesmo tempo é uma situação digna de exclamar o cliché "isso é muito Blek Miru, meu".

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Estou ansioso para ver o que vem por aí na quinta temporada de Black Mirror e o que a Netflix vai fazer com todo esse conhecimento que ela arrancou sobre nós. Pra mim Black Mirror é uma boa série que já foi ótima, mas o ritmo de produção maior pós Era Netflix dificilmente permitirá um retorno à qualidade de outrora. Mas podemos dizer que ela sabe e muito bem agradar seu público.

E você achou o que sobre Bandersnatch?